domingo, 30 de agosto de 2015

Paula


Isabel Allende

"Paula", de Isabel Allende, é o testemunho contado na primeira pessoa sobre a morte de uma filha. Como se de uma viagem ao sofrimento humano se tratasse, o livro percorre também a vida da escritora, entrecortada por alegrias e tristezas, acontecimentos que fizeram história, personagens diversas, amores e desilusões
Isabel Allende garante que esta obra não é sobre a morte. "O meu livro 'Paula' é uma memória trágica da história da morte de uma jovem rapariga, mas sobretudo uma celebração da vida. (...) A sua longa agonia deu-me a oportunidade única de rever o meu passado." Com efeito, embora "Paula" tenha como ponto de partida e fio condutor a doença da filha da escritora, o livro vai-se transformando num autêntico documento autobiográfico, à medida que Isabel Allende faz desfilar as figuras e os acontecimentos que intervieram na sua vida. Não se trata de uma mera obra auto-complacente, portanto.
Como afirma a escritora, o romance serviu de veículo para prolongar a presença da filha junto da mãe, para manter a vida que já a tinha abandonado desde o momento em que deu entrada no hospital, mergulhando num coma profundo. Para Isabel Allende, a escrita funcionou aqui como um elemento catártico, a salvação para a mais profunda das agonias, fixando no papel as memórias e as recordações, para que o tempo não as apagasse irreversivelmente.

Ao mesmo tempo que a autora exprime os dolorosos estados de espírito em que se encontra, plenos de dúvidas e de receios, essa longa viagem ao interior de si mesma, quando confrontada com uma situação limite, dá lugar a uma reconstrução da história da sua família. Em "Paula", Isabel Allende como que pinta um auto-retrato, apoiado em informações da mais variada índole, acerca dos seus progenitores, infância, desgostos, crenças e métodos de trabalho. Talvez porque, como diz, "toda a ficção é, em última análise, autobiográfica. Escrevo sobre amor e violência, sobre morte e salvação, sobre mulheres fortes e pais ausentes, sobre sobrevivência".
Todas as suas memórias que inevitavelmente florescem com o decorrer da escrita são retocadas com a linguagem que habituou e prendeu leitores em todo o mundo, reminiscente do chamado realismo mágico sul-americano. Há, aliás, quem a considere uma parente pobre de Gabriel García Márquez. Gostos à parte, certo é que o seu estilo de escrita e as histórias que os seus livros contam a tornaram famosa.

Para onde vais, Paula?
Isabel Allende já sabia do estado da sua filha há muito tempo - Paula era portadora de porfíria, doença hereditária que recebeu através do pai, Miguel Frías, o primeiro marido da escritora. Paula ficou em coma durante um ano, acabando por falecer na casa da mãe e do padrasto na Califórnia, a 6 de Dezembro de 1992, com apenas 29 anos de idade.

Se difícil é escrever sobre a morte, ainda mais doloroso é escrever sobre a morte de um filho. Mas Allende viu nesse processo uma hipótese de salvação, tentando não cair em sentimentalismos, que tanto horror provocavam em Paula. Daí que a longa introspecção que realizou a impedisse de atingir um estado de irremediável loucura. Começou por contar uma história para que a filha não se sentisse perdida no despertar, mas as páginas que redigiu transformaram-se numa lenta meditação, sem destinatário específico, até aos recantos mais obscuros da consciência e da memória.

O resultado é uma obra poderosa e intensa, que conseguiu a façanha de fascinar os fiéis à obra literária da escritora chilena, mas também os mais cépticos em relação ao seu estilo habitual. A forma quase epistolar do romance e a sua intimidade sofrida distancia-se de outros que celebrizaram Allende, como "A Casa dos Espíritos", "De Amor e de Sombra" ou "Plano Infinito". O livro que a Colecção Mil Folhas disponibiliza agora aos seus leitores é seguramente o mais notável romance da carreira de Isabel Allende. 


Por Marisa Torres da Silva 







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