Isabel Allende
"Paula", de Isabel Allende, é o testemunho contado
na primeira pessoa sobre a morte de uma filha. Como se de uma viagem ao
sofrimento humano se tratasse, o livro percorre também a vida da escritora,
entrecortada por alegrias e tristezas, acontecimentos que fizeram história,
personagens diversas, amores e desilusões
Isabel Allende garante que esta obra não é sobre a morte.
"O meu livro 'Paula' é uma memória trágica da história da morte de uma
jovem rapariga, mas sobretudo uma celebração da vida. (...) A sua longa agonia
deu-me a oportunidade única de rever o meu passado." Com efeito, embora
"Paula" tenha como ponto de partida e fio condutor a doença da filha
da escritora, o livro vai-se transformando num autêntico documento
autobiográfico, à medida que Isabel Allende faz desfilar as figuras e os
acontecimentos que intervieram na sua vida. Não se trata de uma mera obra
auto-complacente, portanto.
Como afirma a escritora, o romance serviu de veículo para
prolongar a presença da filha junto da mãe, para manter a vida que já a tinha
abandonado desde o momento em que deu entrada no hospital, mergulhando num coma
profundo. Para Isabel Allende, a escrita funcionou aqui como um elemento
catártico, a salvação para a mais profunda das agonias, fixando no papel as
memórias e as recordações, para que o tempo não as apagasse irreversivelmente.
Ao mesmo tempo que a autora exprime os dolorosos estados de
espírito em que se encontra, plenos de dúvidas e de receios, essa longa viagem
ao interior de si mesma, quando confrontada com uma situação limite, dá lugar a
uma reconstrução da história da sua família. Em "Paula", Isabel
Allende como que pinta um auto-retrato, apoiado em informações da mais variada
índole, acerca dos seus progenitores, infância, desgostos, crenças e métodos de
trabalho. Talvez porque, como diz, "toda a ficção é, em última análise,
autobiográfica. Escrevo sobre amor e violência, sobre morte e salvação, sobre
mulheres fortes e pais ausentes, sobre sobrevivência".
Todas as suas memórias que inevitavelmente florescem com o
decorrer da escrita são retocadas com a linguagem que habituou e prendeu
leitores em todo o mundo, reminiscente do chamado realismo mágico
sul-americano. Há, aliás, quem a considere uma parente pobre de Gabriel García
Márquez. Gostos à parte, certo é que o seu estilo de escrita e as histórias que
os seus livros contam a tornaram famosa.
Para onde vais, Paula?
Isabel Allende já sabia do estado da sua filha há muito tempo
- Paula era portadora de porfíria, doença hereditária que recebeu através do
pai, Miguel Frías, o primeiro marido da escritora. Paula ficou em coma durante
um ano, acabando por falecer na casa da mãe e do padrasto na Califórnia, a 6 de
Dezembro de 1992, com apenas 29 anos de idade.
Se difícil é escrever sobre a morte, ainda mais doloroso é
escrever sobre a morte de um filho. Mas Allende viu nesse processo uma hipótese
de salvação, tentando não cair em sentimentalismos, que tanto horror provocavam
em Paula. Daí que a longa introspecção que realizou a impedisse de atingir um
estado de irremediável loucura. Começou por contar uma história para que a
filha não se sentisse perdida no despertar, mas as páginas que redigiu transformaram-se
numa lenta meditação, sem destinatário específico, até aos recantos mais
obscuros da consciência e da memória.
O resultado é uma obra poderosa e intensa, que
conseguiu a façanha de fascinar os fiéis à obra literária da escritora chilena,
mas também os mais cépticos em relação ao seu estilo habitual. A forma quase
epistolar do romance e a sua intimidade sofrida distancia-se de outros que
celebrizaram Allende, como "A Casa dos Espíritos", "De Amor e de
Sombra" ou "Plano Infinito". O livro que a Colecção Mil Folhas
disponibiliza agora aos seus leitores é seguramente o mais notável romance da
carreira de Isabel Allende.
Por Marisa Torres da Silva
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