José Saramago
Sinopse I:
Caim é o último livro de autoria do
laureado com o Nobel de Literatura, José
Saramago, e é outro de seus trabalhos que abordam a Bíblia (um
é O Evangelho Segundo Jesus Cristo,
publicado em 1991).
Saramago, devido a sua origem portuguesa,
e toda a influência cultural exercida pelo catolicismo em tal contexto, sente a
necessidade de abordar a Bíblia no
seu trabalho de escritor – esse texto faz parte do seu património cultural, ao
contrário do Alcorão, que Saramago entende não ser a sua função abordá-lo.
Em Caim, a interpretação bíblica do
autor José Saramago é irreverente, irônica e mordaz, e não teme que oscatólicos voltem
a crucificá-lo.
Quando de sua publicação, o livro
suscitou polêmicas e recebeu fortes críticas, sendo desencadeadas, nas palavras
de Saramago, "a mando da Igreja Católica e com a execução dos seus
homens de mão (servos),
ou jornalistas de mão, ou outros que se guiam por interesses pessoais ou
rancores pessoais". Saramago classificou tal "polêmica" como
"uma espécie de fartar-vilanagem", dizendo que ela nem sequer lhe
"tocou a pele" e que resistiria "a todas as canalhadas que se
façam à volta do livro" e de sua figura.
Disse Saramago que "[A crítica principal]
é que não deveria ter feito uma literatura literal em lugar de simbólica",
mas que "o problema é que as visões simbólicas são muitas", sendo, na
verdade, as críticas por ele não ter feito uma "interpretação
simbólica", críticas por ele não ter interpretado a Bíblia em conformidade
com a interpretação católica. E, considerando o dito por Inês Pedrosa, de que
"numa sociedade laica e livre ninguém tem que se fixar às leituras
alheias",[ Saramago interpretou a Bíblia de acordo com as suas
convicções.
Segundo católicos que se manifestaram na mídia, "Caim e Abel
simboliza a disputa de irmãos pela primazia, pelo amor do Pai. É o amor de Deus
que ambos tentam conquistar". Mas
é justamente esse tipo de simbolismo que Saramago considera repugnante, gerador
de exclusão, intolerância, perseguição e guerras
("santas") religiosas,e ao qual ele dá uma interpretação em seu livro
com um olhar irônico.
Na obra Caim, Saramago exercita a
sua liberdade de expressão escrevendo um
livro que aponta deus como "autor intelectual do crime, ao desprezar o
sacrifício que Caim havia lhe oferecido".
Mas de que deus (sempre escrito com
minúsculas no livro Saramago está a falar?
No livro José Saramago: O
amor possível escrito por Juan Arias, Saramago, em uma
conversa com o autor de tal livro, disse: "Do meu ponto de vista há apenas
um lugar onde existe deus, ou o diabo, ou o bem e o mal, que é na minha cabeça.
Fora da minha cabeça, fora da cabeça do homem não há nada". Já em
entrevistas dadas na época do lançamento de Caim, Saramago voltou a dar
uma declaração no mesmo sentido: "Deus, o demônio, o bem, o mal, tudo isso
está em nossa cabeça, não no céu ou no inferno, que também inventamos. Não nos
damos conta de que, tendo inventado deus, imediatamente nos tornamos seus
escravos".
Assim, conforme dito por Juan Arias, o
"homem e apenas o homem é, definitivamente, o deus de Saramago — o homem
vítima dos poderes tirânicos, o homem humilhado pela religião, o homem escravo
de seus mitos, começando pelo mito de Caim e Abel que Saramago converte num
jogo literário".
E é por isso que, parafraseando o dito de
Saramago, de que "o Deus da Bíblia é rancoroso, vingativo e má pessoa. O
Deus da Bíblia não é de fiar", Pilar
del Ríodisse que "o género humano não é de fiar". Disse ainda
depois Saramago que "Criamos um Deus à nossa imagem e semelhança (…) e por
isso ele é tão cruel, porque nós somos cruéis" .